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domingo, 4 de abril de 2010

Páscoa

Os judeus celebram nesta época a fuga do Egipto, a caminho da terra prometida. Os cristãos, a morte e ressurreição de Jesus. Em certos países influenciados por esta última religião (Filipinas, México…) praticam-se rituais populares de mortificação, significando o desejo de passagem para uma vida renovada. Enquanto isto, as sociedades ocidentais aproveitam para mais um fim-de-semana prolongado de lazer. Este ano, a hierarquia da Igreja de Roma pede desculpa pelos pecados de pedofilia. E os órgãos de informação de massa fazem o seu trabalho de espevitar a contradição e o conflito, para manter as audiências.
Vasco Pulido Valente tem razão em vir lembrar, no ‘Público’, que os pecados e crimes da Igreja ao longo da história, a sua conivência com o massacre, por acção e omissão, são bem mais graves do que os comportamentos desviantes dos pastores, e é talvez isso que leva o Papa a estes gestos públicos.
Mas se os rabinos se indignam justamente com a comparação feita destas denúncias com “o pior do anti-semitismo” (e VPV recorda muito bem o papel histórico de Roma nesse clima), também se descortina alguma sanha anti-clerical nos actuais ataques ao catolicismo, que tem sido, apesar de tudo, a grande religião que mais tem evoluído nas décadas recentes e mais tem reconhecido os erros do passado. E não parece fácil para o islamismo evoluir e compatibilizar-se com o mundo moderno, como seria desejável que o fizesse.
O filósofo racionalista Bertrand Russel criticou o papel histórico do cristianismo, sobretudo porque este “santificou o ódio e a intolerância”. Hoje, não tenho a certeza deste género de balanço histórico. Conheço mal as religiões orientais (induismo, budismo e confucionismo, sobretudo) mas, pelo que toca às mediterrânicas, tendo a pensar mais num efeito ambivalente: por um lado, é certo que foram culpadas de muitos malefícios (e ainda mais aquelas que, como a cristã e a islâmica, exerceram um poder temporal); mas, por outro lado, terão tido um efeito “disciplinador” para conter a bestialidade latente em sociedades onde o direito e cidadania ainda não haviam chegado. Além disto, o mundo contemporâneo também parece mostrar-nos que a “civilização” é facilmente compatível com (ou até pode estimular) os mais perversos comportamentos humanos.
Daí a minha conclusão de que, independentemente do grau de evolução, é indispensável a existência de uma moral (sentido do bem e do mal) que impregne os valores da vida social – e ainda mais quando vivemos (felizmente) numa sociedade laica. Por tal, não dou razão aos que confundem isto com “moralismo” ou acham que se trata de meras referências “judaico-cristãs”.
JF/ 4.Abril.2010

3 comentários:

  1. Duas notas sobre este post, será que sabemos o que é moral e o que é que cabe dentro dos perversos comportamentos humanos quando enunciados de forma tão geral? No entanto para uma ética, que parece menos "julgadora" do que uma moral, poderíamos partir sempre daquela velha máxima: a minha liberdade termina onde começa a liberdade do outro.

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  2. Concordo com o comentário anterior. Mas (os filósofos que nos ajudem), julgo que moral e ética são conceitos equivalentes: dizem respeito ao juizo - pessoal ou colectivamente determinado - sobre o que é desejável e o que é ilícito. Se calhar, moral "cheira" mais a "moralismo" ou a "ordem moral" (imposta por alguém a terceiros), e ética "soa" mais modernaço. Mas o que está aqui em causa é o que diferencia isto do "relativismo moral absoluto", do "tudo é lícito" ou mesma da bela ideia de Guyau de "uma moral sem obrigação nem sanção".
    JF/12.Abr.2010

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  3. Deixo à reflexão estas citações retiradas da Wikipédia que poderão ajudar talvez a esclarecer um pouco o meu comentário: "Moral e ética não devem ser confundidos: enquanto a moral é normativa, a ética é teórica e busca explicar e justificar os costumes de uma determinada sociedade,[2] bem como fornecer subsídios para a solução de seus dilemas mais comuns."..."Como Doutrina Filosófica, a Ética é essencialmente especulativa e, a não ser quanto ao seu método analítico, jamais será normativa, característica esta, exclusiva do seu objecto de estudo, a Moral."..."Ao contrário da moral, que delimita o que é bom e o que é ruim no comportamento dos indivíduos para uma convivência civilizada, a ética é o indicativo do que é mais justo ou menos injusto diante de possíveis escolhas que afetam terceiros." Chamo ainda a atenção que as grandes civilizações são também capazes das maiores barbáries onde a ética é claramente atropelada, como de resto há inúmeros exemplos ao longo da História. E também podemos ver que onde por vezes a moral está mais ausente, p. ex. nos meios artísticos, é onde a barbárie por vezes mais longe está...

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