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quarta-feira, 29 de junho de 2011

Um programa muito defensivo

Afinal, a apregoada redução do número de membros do governo ficou aquém do que se esperava, nomeadamente no que toca aos Secretários de Estado, onde ainda proliferam os “adjuntos dos adjuntos…”. Numas contas por alto, poder-se-iam talvez ter evitado onze destas personagens (com dúvidas acerca de mais umas quatro) se se queria, de facto, uma equipa coesa e bem articulada. Mais uma ideia que poderia ser interessante (tal como a deslocalização de sedes imaginada por Santana Lopes, mas que apenas buscou o efeito da surpresa) e que provavelmente foi sacrificada à lógica dos equilíbrios e interesses partidários, sem responder à questão que alguns bons conhecedores têm apontado da enorme dificuldade de cooperação entre departamentos governamentais.
Mas concentremo-nos sobre o programa de governo, coisa que pouca gente lê. Contudo, num regime democrático, deveria ser na base de uma discussão do seu merecimento e da avaliação do seu cumprimento que os cidadãos fundamentassem a sua opinião sobre os governantes em funções.
No tempo de Guterres, este tomou uma iniciativa interessante: adoptou integralmente como programa de governo – que é obrigatoriamente submetido à AR e publicado na folha oficial – o “manifesto eleitoral” com que se apresentara na campanha. Indo assumir os encargos da governação, é positivo que pretendesse realizar o que propagandeara.
Mas o PS de então inovou também no modo como que introduziu nesse documento muitas metas quantificadas: na melhoria das retenções e abandono escolares, nas listas de espera dos hospitais, na execução do plano rodoviário nacional, nos indicadores do emprego, etc. Ao fazê-lo, pareceu preferir “o concreto” à enunciação vaga de princípios e ideias gerais. Mas terá certamente feito também o cálculo de que esse quantitativismo lhe daria mais margem de defesa quando chegasse a hora do balanço final: a discussão tenderia a centrar-se sobre se era de 80% (como eles reconheceriam) ou apenas de 50% (como pretenderia a oposição) o grau de cumprimento das metas da política de habitação, por exemplo, em vez de discutirem a orientação para o encorajamento à aquisição de casa própria ou a dinamização do mercado do arrendamento urbano, de efeitos muito mais estruturantes e de longo prazo. Porém, além disso, o diabo é que, mesmo nesses termos mais aptos à negociação e ao debate técnico, às vezes os “números redondos” revelam-se absolutamente incumpríveis na prática, como aconteceu com os “150 mil novos empregos” prometidos por Sócrates em anos mais recentes e já ocorrera com Durão Barroso cujo “choque fiscal” prometido para estimular a economia teve logo de transmutar-se num aumento do IVA para acudir à derrapagem orçamental.
O actual governo terá optado por restringir os “números” do seu programa (grandezas económicas ou sociais, datas, taxas, etc.) àqueles que já figuravam no “memorando de entendimento” com as instituições internacionais prestamistas. Por exemplo, o programa não esclarece em que data virão os cortes nas pensões de reforma e aposentação. Nem se o fim dos contratos de trabalho a termo terão como contrapartida um alargamento dos motivos para despedir (com a inevitável questão da sua eventual inconstitucionalidade).
Por compreensível prudência mas também numa atitude muito defensiva do tipo “não me comprometas”, os redactores preferiram um discurso formalmente inatacável – e impecável no seu estilo “politiquês” – mas que acaba por constituir um vasto acervo de princípios ligeiramente liberais, de ideias vagas e de enunciação de ‘wishfull thinkings’. Este não será certamente o contributo das "caras novas e competentes" do novo governo, mas antes um programa que leva a marca de "velhas raposas" da política.
JF / 29.Jun.2011

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Espontâneos, violentos e anarquistas

Na sequência de reiteradas afirmações no mesmo sentido, Jorge Almeida Fernandes
comenta as movimentações dos ‘acampas’ nas praças de Espanha e a ambiguidade da palavra-de-ordem “Democracia real, já!”, perguntando se esta “designa a vontade de participação dos cidadãos, um factor de renovação do sistema político ou uma utopia anarquista?” (Público, 16.6.2011).
Eu próprio percorri há semanas uma parte do país vizinho e observei algumas dessas manifestações. Escrevi então a um amigo, confessando: “Não me entusiasmaram nada. É uma acção que está a esgotar-se e talvez a degradar-se, descambando para o marginal. A inspiração veio certamente da praça Tahrir do Cairo, mas numa versão ‘imitativa’, com pouca consistência. […] Julgo que os partidos políticos estão, em geral, muito desgastados, ainda prisioneiros de ideologias serôdias e afectados pela corrupção e as negociatas. Mas será preciso dar passos significativos para passar das manifestações de protesto ou revolta à emergência de forças alternativas.”
Também José Manuel Fernandes, referindo-se aos ‘acampados’ e admitindo a existência de um ‘hiato entre a rua e o Parlamento’, julga que aqueles pensam que “esse hiato daria direitos especiais ‘à rua’, um mito que alimenta certos blogues extremistas que vale a pena ler por estes dias” (Público, 17.6.2011).
Concordo com grande parte das apreciações destes articulistas. De resto, noutra circunstância recente, eu próprio publiquei um texto intitulado “A rua não tem sempre razão” (Público, 6.3.2008), que me valeu algumas críticas contundentes (era a propósito dos professores, lembram-se?). Além disso, partilho do mesmo modo a rejeição da violência (urbana e sem sentido) que sempre tende hoje a associar-se e a aproveitar as manifestações de protesto popular na praça pública, seja dos black block em Seatle ou Génova, seja dos supostos “anarquistas” de Atenas (que alguns dos ditos qualificam de “oklarkistas”, isto é, de meros desordeiros).
Contudo, há outras coisas que me separam de JAF e de JMF (e das opiniões dominantes). Uma delas tem carácter histórico e refere-se ao continuado uso do tema ‘anarquista’ para designar tanto os adeptos da violência como os críticos mais ousados da organização estatal actual. É certo que, há um século atrás, os anarquistas se evidenciaram por alguns deles terem enveredado pelo uso de meios de acção violentos (tiranicídios, bombismo, etc.). Foi uma deriva, que lhes custou caro. Mas, tirando isso, o movimento anarquista não foi mais violento que muitos outros movimentos revolucionários (nacionalistas, republicanos, socialistas, religiosos, etc.). E contou também com uma componente não-violenta, de que quase ninguém fala.
É igualmente verdade que o anarquismo histórico fez grande confiança na espontaneidade e criatividade dos movimentos populares de transformação social (na Rússia, no México, em Espanha, etc.) e lutou desde 1921 contra o poder dos bolcheviks (tal como lutou contra o nazi-fascismo), alertando sempre contra os projectos de poder (em proveito próprio) de todas as vanguardas e líderes revolucionários. De facto, a ilusão “espontaneista” deve ser mais assacada a outros – e talvez sobretudo à revolta juvenil/estudantil dos anos 60 – do que propriamente aos anarquistas. A historiografia pode mostrar que o anarquismo social de base operária foi um movimento extremamente organizado, e organizativo, que procurava – com o auxílio da estatística e de outros conhecimentos científicos disponíveis – prever e planear uma sociedade mais racional e mais eficiente (em todos os sentidos) do que aquela que conheciam nesse tempo.
Falando da actualidade e do desgaste que os mecanismos da representação democrática vêm sofrendo, agora agudizado pela crise económica e financeira, suponho que os sistemas políticos europeus – não o princípio e os valores democráticos em que assentam – vão estar sujeitos nos próximos anos a fortes exigências, para as quais têm mostrado não estar à altura. As jovens gerações qualificadas que emergem quererão certamente ter oportunidades de trabalho adequadas à sua formação e um futuro mais previsível mas também uma maior participação nas decisões que afectam toda a colectividade. A sua capacidade de mobilização vai provavelmente aumentar com estas sucessivas crises parciais, embora o sentido das respostas e das saídas das mesmas sejam ainda uma incógnita. Porém, admito que este novo movimento social – possivelmente trans-europeu – possa ser a base de partida para a construção de organizações políticas inovadoras nas suas propostas e modos de acção, um pouco como, em sentido geral, os movimentos “verdes” o foram há 30 anos atrás. E que daí poderá vir uma renovação de paradigmas que supere as actuais ideologias partidárias.
É desejável que isso se faça dentro dos limites da legalidade, da ordem pública e dos meios de acção pacíficos e não-coercivos. Por exemplo, o voto secreto universal não-obrigatório é uma metodologia de consulta popular de inestimável merecimento, não só porque salvaguarda a liberdade individual das pressões envolventes e apela à razão e à consciência de cada um, como também permite perceber até que ponto as populações se identificam com os seus representantes políticos. Mas isto não obsta a que possam ser frutuosas novas propostas de envolvimento e participação cidadã.
A aparente repulsa de JAF e JMF perante qualquer ideia de democracia directa ou participativa (o primeiro cita o “populismo” de Perot; o segundo relembra a “democracia popular” do nosso PREC) pode equivaler-se à minha desconfiança em relação à democracia representativa partidária (que sempre tende à supremacia dos intermediários). Mas, sobretudo, eu não coloco uma ideia contra a outra, pois julgo que poderão existir combinações e fórmulas intermédias interessantes e não ainda exploradas, devido à predominância de determinados interesses.
JF / 25.Jun.2011

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Os equívocos de Nobre e a reacção dos políticos

Muita gente pensa agora mal de Fernando Nobre, depois desta sua breve incursão pela vida política. Ela terminou, de facto, de maneira desastrada. Mas um ano de diversão não deve fazer esquecer três décadas de empenho humanitário e plena consagração da AMI a causas sociais que desconhecem fronteiras, obra pela qual lhe devemos estar todos reconhecidos. Não é porém o primeiro que tenta essa translação – a começar pelo seu companheiro animador de Médecins sans frontières Bernard Kouchner.
Já se lhe tinha descortinado alguma ponta de vaidade na referência que sempre fazia à sua inimitável experiência de situações-limite de sofrimento e desespero humano e à autoridade moral que daí retirava. Também o subtil anti-americanismo que transparecia do seu discurso de anos recentes permitia pensar num expediente de facilidade argumentativa, perante a grandeza de certos problemas e a complexidade de os pensar à escala mundial em que, de facto, se colocam. Mas foi com temor (por ele) e cepticismo que o vimos lançar-se na corrida a Belém, suspeitando fortemente que pudesse ser trunfo jogado pelo sector do PS agastado com a candidatura de Alegre, agora apanhado na teia de Sócrates e posto na competição presidencial como representante oficioso do partido fundado por Mário Soares.
Nesse papel de candidato, Fernando Nobre foi um genuíno “amplificador” dos sentimentos largamente difundidos na população que criticam acerbamente o desempenho da “classe política” no seu todo, sem grande distinção entre políticas e posições partidárias – o que, se será um erro para um analista especializado, é uma opinião bem compreensível para a percepção que pode ter da vida pública a generalidade da nosso população. Ideias como a redução substancial do número de deputados (visto o “aprisionamento” destes pela lógica sectária dos partidos), ainda que constitucionalmente impossíveis, caíram com agrado em muita gente desiludida com os partidos mas que ainda não desistiu de procurar caminhos de revivificação democrática. E os tiques populistas-justicialistas do “eu-que-não-sou-como eles” não foram então de molde a crispar senão aqueles que, precisamente, se sentiam atingidos por tais remoques.
Porém, a mesma ingenuidade que o fizera lançar-se na corrida presidencial foi-lhe agora fatal na gestão que procurou fazer do “capital político” dos tais 400 mil votos angariados em Janeiro. Em vez de – à boa maneira republicana – fazer uma excelente declaração política e voltar para casa, para a AMI e as suas causas, aceitou a proposta do novo líder do PSD (também ela misto de ingenuidade com a tradicional “pesca à linha” oportunista dos políticos), sem perceber a reviravolta que estava a dar em relação ao tom da sua recentíssima campanha.
Era agora a vez dessa mesma “classe política” retaliar, mostrando a comum base de interesses próprios que a unifica, face ao país, quando teve a oportunidade de, pelo voto secreto mas precedido de discussões abertas e chamadas-à-ordem feitas pelos líderes, proceder à eleição do novo Presidente da Assembleia da República. Não bastou o penhor da palavra de Passos Coelho, acatada tant bien que mal pelo seu partido: do CDS ao PS, do Bloco de Esquerda ao PCP, foi larga e confirmada a maioria que rejeitou a candidatura de Nobre. Ao fazê-lo, porém, não estavam senão a dar razão ao essencial da mensagem que aquele fizera passar no último Outono – pelo menos tal como a entendeu uma parte significativa do eleitorado.
Resta ainda ao dr. Fernando Nobre uma saída de cena digna, após estes episódios. A de que se retire da actividade partidária, reconheça as suas inabilidades recentes e regresse à sua condição de cidadão, com autoridade própria para formular juízos e opiniões políticas capazes de serem escutadas com interesse e proveito por uma parte considerável dos seus concidadãos.
JF/22.Jun.2011

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Para que servem as campanhas eleitorais?

Passou mais uma destas temporadas e talvez valha a pena reflectir sobre os seus efeitos e utilidade.
Em tese, a campanha eleitoral serve para, em condições de igualdade entre os candidatos, estes esclarecerem os eleitores sobre os seus programas de acção para o futuro imediato e a mais longo prazo. Neste sentido, o referido período e o acesso aos convenientes meios de comunicação social são irrecusáveis.
Porém, numa eleição em que os candidatos se reapresentam (como é o caso das eleições legislativas ou autárquicas, em que os concorrentes são as formações partidárias), logo surgem as dúvidas sobre se se vai julgar o comportamento passado ou os propósitos futuros. Consoante os seus interesses próprios, os candidatos evidenciam um ou outro aspecto – cabendo ao eleitor apurar o seu próprio balanço final (o que é um exercício já bom para especialistas). E como neste tipo de eleições se tem vindo a acentuar o fenómeno da personalização dos cabeça-de-lista, mais se reforça a tendência para privilegiar o temperamento, as capacidades ou a imagem desse líder em vez do conteúdo das ideias e do programa que se propõe executar. Em suma, tudo isto concorre para obscurecer e dificultar um voto racional e ponderado.
Assim, as campanhas servem sobretudo para, em debates contraditórios de grande audiência, pôr à prova os dotes argumentativos dos líderes, e, por outro lado, para incutir confiança e entusiasmo entre os eleitores já decididos à partida. No primeiro caso, reconhece-se a sua utilidade para o esclarecimento público, embora essas capacidades causídicas sejam mais importantes nos pleitos parlamentares do que nas decisões políticas. No segundo, estamos perante a oratória emotiva em que no passado foram mestres os homens-do-púlpito e que na modernidade se transferiu para os demagogos de tribuna, capazes de inflamar as massas bradando-lhes coisas simples mas que lhes animam as crenças (ainda mais facilmente quando se apanha um jantar ou uma viagem de borla).
Há ainda as “arruadas” e outros “contactos directos com as populações”. Embora se conheça a encenação preparada que as envolve, sem dúvida que estas actuações têm alguma utilidade mútua, pois permitem aos candidatos “palparem” os níveis da sua popularidade e às populações verem (uma vez em cada quatro anos) as caras dos que nos governam e, ao menos, poderem prestar-se ao jogo de dizer que votam neles e, logo de seguida, comentarem que “andam todos ao mesmo”.

Nada disto se muda com novas regras (ou muito pouco). É certo que a incrível petulância dos “pequenos partidos” de quererem ter o mesmo tempo de debate televisivo do que os que representam sectores significativos da opinião pública será ultrapassada quando uma reforma da lei dos partidos retirar esse estatuto a quem não tenha reiteradamente um mínimo de actividade e representatividade, como será o caso de formações que se alimentam de ideologias antigas (monárquicas, nacionalistas ou marxistas). Mas alguns desses partidos, que tentam inovar e trazer outros valores para a vida política (casos do PSN, MPT, PH, MEP, MMS, PAN, etc.), só crescerão se forem capazes de se coligar e federar numa plataforma mais ampla que deveria estar ao alcance das suas aspirações humanistas. O pluralismo e a diversidade são indispensáveis numa sociedade livre, mas também é importante a cooperação, a governabilidade e eficiência dos regimes.
Assim, do que se carece sobretudo é de uma profunda mudança das atitudes dos que se empenham na vida política, menos viradas para os seus interesses e crenças, e mais preocupadas com o bem comum.
Que cada um esclareça aquilo que sabe, pode e quer fazer em benefício da colectividade – para o que deveriam então servir os tempos de campanha eleitoral –, em vez se aplicar em demolir os seus adversários ou a usar meneios de sedução populista!
JF / 17.Jun.2011

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Alguns pontos positivos

Eis alguns pontos positivos do “copo meio-cheio” da crise que vivemos.
A rápida saída de cena de José Sócrates Pinto de Sousa, que deixou uma marca impressiva na vida política portuguesa, para o melhor e para o pior.
A moderação dos festejos dos vencedores na noite eleitoral.
A discrição com que estão a correr as negociações interpartidárias para a formação do novo governo.
O perfil contido, equilibrado e atento dos novos candidatos a líderes do PS.
A desconvocação de greves de ferroviários e tripulantes aéreos, apesar de apenas se adiar o enfrentamento das situações gravosas que estão para vir.
A quebra do afluxo das correntes imigratórias vindas dos países mais pobres que se tem vindo a verificar por virtude da crise económica.
A integração dos antigos combatentes da guerra colonial nas festividades nacionais do 10 de Junho – que se afigura simultaneamente como uma inteligente e justa decisão política – e o discurso de António Barreto (suponho que também autor daquela ideia, inaugurada no ano passado), lúcido, crítico e corajoso, como devem ser os intelectuais independentes.
Por último, diga-se que a desgraduação do comando NATO de Oeiras para uma estrutura de comando operacional naval pode ter também a vantagem de evidenciar a importância da vertente marítima para Portugal, quer perante as potências, quer internamente nas relações inter-ramos, e isto pensando tanto nas variáveis geo-estratégicas e de soberania como no interesse económico e de desenvolvimento da nossa base científica e técnica.
JF / 13.Jun.2011

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Estéticas juvenis

As atitudes sociais típicas dos jovens de hoje estão profundamente internacionalizadas e correspondem de forma muito nítida a padrões culturais comuns, a despeito dos diferentes idiomas em que se exprimem. É claro que entre jovens habitantes de um subúrbio de Lisboa e jovens residentes em condomínios privados sitos na Foz do Douro existem distâncias sociais insuperáveis, que podem ser observadas nas escolas que frequentam, nos meios de deslocação que utilizam ou nos imaginários a que fazem referência – mas não à primeira vista, pelo vestir e postura corporal, antes de abrirem a boca para dizer mais do que as frases simples da comunicação quotidiana.
Ao ouvi-los, parece que agem com total auto-determinação e liberdade, não se sujeitando a mais do que manda a sua vontade, desejo ou capricho, e esta desenvoltura nota-se talvez ainda mais nas jovens mulheres, que se percebe saberem estar a experimentar vitórias recentes que as suas avós nunca imaginaram.
Não obstante isto, as imposições de ciclo curto da “moda” têm especial impacto entre estes jovens. Nem falemos nas calças de ganga azul que conquistaram o mundo, generalizando o estilo yankee cow-boy (quando na realidade são oriundas dos modestos trabalhadores industriais norte-americanos). Mas vemos os bonés de pala em-bico-de-pato, agora colocados ao contrário, com o intuito de afirmar uma transgressão, semelhante à das calças rotas ou esgarçadas ou aos baskets com os atacadores desapertados, sempre à beira de provocar a queda do portador. Mas que importa, se isso é que é cool! Tal como a indumentária “tipo bébézão/imbecil”, com o gancho da calça entre os joelhos e a virola pela canela, se possível com o skate ou a “prancha” debaixo do braço e o inevitável walkman a buzinar-lhe os ouvidos! Outro ingrediente na moda para os rapazes saindo da adolescência é o capuz agora vendido nas camisolas de lã, com que encobrem o rosto e às vezes ocultam a identidade da autoria de algum acto de delinquência ou vandalismo, inspirando-se talvez nas imagens da intifada e que julgam coerentes com o Guevara pintado nas t-shirts. A sua estética é absolutamente marcada por sentimentos de recusa e negação, e pelo frequente recurso ao horrendo e ao nojento, como é patente nos casos mais marginais de punks e gotics.
Na observância de uma regularidade sociológica confirmada, segundo a qual nas camadas sociais de menores recursos mais se esbate o sentido da estética vestimentária, todos estes traços tendem a tornar-se degradados e mesmo grotescos em “meio suburbano”. A baixa qualidade dos artigos e a sua massificação contrasta então com os propósitos dos modelos que originariamente os enformaram. E os desajustamentos funcionais conduzem a que se possa formular a pergunta, virada ao futuro: “Quando andaremos todos vestidos de fato-de-treino?” (embora uns de marca, outros de contrafacção).
O Mac, o burger e a “coca” são três ingredientes quotidianos imperdíveis, tal como a cerveja e os shots nos espaços e tempos da “noite”. Mas, de novo, com o selo de origem made in USA. De resto, foi também aqui que se gerou o grande apetite das “drogas” – projectado pelo imaginário da geração baby flowers – que depois se estendeu ao mundo inteiro.
Recentemente, a indústria cosmética deve ter registado um salto significativo no seu volume de negócios com o renascer da moda das mulheres com unhas pintadas (sobretudo dos pés, quase sempre desfeadas pela agressão dos sapatos!), quando parecia que a sua emancipação as predispunha para estilos de vida mais sadios e menos coquette. Mas o look tornou-se de facto irresistível, tanto para mulheres como para homens! Por exemplo, com as tatuagens, prolonga-se a estética do surpreeendente, agora aliada à vontade de negar, no próprio corpo, as formas da natureza, desafiando os deuses da criação da maneira pífia que lhes é mais acessível. E pensar que, apenas uma geração atrás, se temia a posse involuntária de quaisquer “sinais particulares” que ajudassem a polícia a identificar-nos irrecusavelmente…
Também é fantástica a apetência dos jovens para o uso e apropriação dos gadgets comunicativos. Pode faltar dinheiro para outras necessidades e não haver jeito para transportar consigo outras coisas mas o telemóvel na mão é hoje o artefacto passe-partout e identitário absolutamente indispensável. E não se trata apenas de comunicar sem fios. Aspira-se sempre à última novidade lançada neste mercado mundial. Il faut de quoi faire marcher le commerce, quoi!
Uma vez mais com difusão a partir da América, o cinema – pela imagem e os enredos fortes – e a música – pelas vibrações corporais – são dois vectores fundamentais desta ‘cultura jovem’, que aliás tende a invadir gente de meia-idade e mesmo idosos que aceitam com dificuldade o natural envelhecimento. Estamos a léguas das artes plásticas e criativas exercidas por meia dúzia de super-dotados (pintores, escultores, compositores) para meia-dúzia de poderosos mecenas. E mesmo a literatura, desde sempre a mais aberta das formas culturais, também hoje se alargou e democratizou, quer em praticantes, quer em usufrutuários das suas ficções.
Contudo, fica-nos uma questão. Apesar de se saber estarmos na ressaca de um século de guerras mundiais e bombas atómicas, de nazismo e estalinismo, não será que a ópera e as sinfonias oitocentistas – para não citar outras formas de arte – atingiram então um patamar de tal forma insuperável que obrigaram os criadores seguintes a entrar no campo do bizarro e do perturbador, abandonando a procura do excelso e do virtuoso? E isso não ajudará a explicar outros enigmas no campo da estética e do simbólico?
JF / 10.Jun.2011

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Como sempre, ganhou quem não votou, mas é uma vitória amarga

Dos resultados quantitativos apurados nestas eleições legislativas podem acentuar-se os seguintes números: abstencionistas, 41%; PSD, 23% e 108 dos 230 lugares do parlamento; PS, 16% e 74 lugares; CDS, 7% e 24 lugares; PCP e amigos, 5% e 16 lugares; BE, 3% e 8 lugares; outros partidos, 3%; brancos e nulos, 2%.
O número dos abstencionistas está muito condicionado pela desactualização dos cadernos eleitorais, onde certamente persistem em figurar mortos, emigrantes e talvez pessoas que mudam de residência. Pois pode lá ser que, dos 10,3 milhões de cidadãos presentes que se espera sejam registados no Censo, 9,4 sejam eleitores de mais de 18 anos?! Em todo o caso é, uma vez mais, um valor muito elevado que, somado aos brancos-e-nulos, dá uma ideia do fosso que hoje separa uma enorme fracção da população da classe política. Fosse posta em prática a ideia de deixar vagos estes lugares no parlamento e veríamos certamente os partidos a actuarem de outra maneira!
Mas já se está a ver que a coligação de governo que o PSD vai estabelecer com o CDS dificilmente será capaz de cumprir o compromisso negociado com a troika, sobretudo se o PS se assumir como opositor, pronto a aliar-se à esquerda marxista, nomeadamente no bloqueio à alteração das leis que necessitam de maioria qualificada. A saída de cena de Sócrates foi um gesto importante mas é preciso ver qual será a orientação da futura liderança socialista.
Contudo, o programa de reduzir o Estado e liberalizar a economia, vendendo inclusivamente talhões ao estrangeiro, é, no contexto actual, o único adequado ao buraco em que nos deixámos cair, apesar de isso ir significar desigualdades acrescidas, miséria para mais uns tantos e empobrecimento para quase todos. Não foi o economista Krugman, geralmente referido como “progressista”, que há meses atrás diagnosticou que os portugueses precisavam de um corte de cerca de 30% nos seus rendimentos?
A esquerda tradicional necessita de rever profundamente o seu programa, sobretudo na cegueira com que confia no papel do Estado: é certo que a economia de mercado exige uma regulação – hoje especialmente a nível internacional – mas tal não deve ser confundido com estatização, subsidiação ou “administrativização” da vida social.
Por tudo isto, seria realmente um “imperativo patriótico” que o PS fizesse a sua necessária catarse interna e ajudasse a preparar um futuro melhor (e que os outros partidos o ajudassem a tal, em vez de o crucificarem). Mas será possível?
JF / 6.Jun.2011

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