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sexta-feira, 8 de junho de 2012

A Síria é outra coisa

Como na Líbia, mas diferentemente da Tunísia ou do Egipto, o regime ditatorial da Síria não implode perante a contestação nas ruas: resiste e contra-ataca com brutalidade. O presidente, responsável em última instância, herdou o poder do chefe do partido laico Baas que governou autoritariamente o país durante décadas, de modo semelhante ao de Sadam no Iraque, embora sem petróleo e com um suporte social diferente: na Síria predominam os islâmicos alauitas sobre múltiplas minorias étnico-religiosas e neles se apoiou o clã político-militar do Baas, com a indispensável referência ao inimigo judaico (ainda ocupante dos seus montes Golan) e a tutela exercida sobre o estado libanês vizinho, desde os finais do mandato francês da primeira metade do século XX. Mas a época não está boa para tais heranças e o actual Al-Assad, não tendo tempo para construir o seu próprio carisma e não querendo exilar-se algures com a sua linda mulher, respondeu à contestação com a matança indiscriminada de opositores, seguro de que a Rússia não deixará de o apoiar até onde for possível, que ao Irão não desconvém a sua presença no terreno e que a China se oporá no Conselho de Segurança da ONU a qualquer acção de força internacional contra a sua soberania. Se houve recontros e mortos em todos os cenários da “Primavera árabe” de 2011 e se a obstinação de Kadafi levou a uma verdadeira guerra civil (que não se resolveria sem a intervenção dos ocidentais), mais de um ano de levantamento popular em Deraa, Homs, Houla e outras cidades sírias, reprimido pelas forças policiais e militares do regime, produziu já um total superior a doze mil mortos, segundo dados controlados pela ONU. À coragem do mesmo tipo de minorias urbanas de Túnis e do Cairo, juntaram-se porém desertores e dissidentes das forças de Assad, e outros grupos organizados e armados de identificação mais problemática. Diz a Amnistia Internacional que tem havido graves violações de direitos humanos de ambos os lados. O aristocrático africano Kofi Annan, antigo secretário-geral da ONU, tem procurado um cessar-fogo, que se está a revelar de difícil concretização, apesar do isolamento do regime no próprio seio da Liga Árabe. O “apodrecimento” da situação pode porém reverter a favor do governo de Assad, sendo irrelevantes as proclamações condenatórias americanas ou europeias. À falta de um novo milagre na estrada de Damasco, só talvez a Turquia, no quadro regional em que cada vez mais se afirma autonomamente, poderá dar um contributo efectivo para uma mudança no país, conduzindo a uma “paz justa” (com todo o relativismo que esta expressão pode ali significar, mas que abrangerá a recente condenação a prisão perpétua do egípcio Mubarak, que frustrou os mais sedentos de vingança), desde que se não descontrole a situação no vizinho Líbano e que tal não constitua uma nova ameaça para a segurança de Israel. JF / 8.Jun.2012

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